Que indagações a diversidade traz aos currículos?
E nas escolas, nos currículos e políticas educacionais, como a diversidade
se faz presente? Será que os movimentos sociais conseguem indagar e incorporar
mais a diversidade do que a própria escola e a política educacional?
Um bom exercício para perceber o caráter indagador da diversidade nos
currículos seria analisar as propostas e documentos oficiais com os quais
lidamos cotidianamente. Iremos notar que:
·
a
questão da diversidade aparece, porém, não como um dos eixos centrais da
orientação curricular, mas, sim, como um tema, aparece somente como um tema que
transversaliza o currículo entendida como pluralidade cultural.
·
A
diversidade é vista e reduzida sob a ótica da cultura. A escola e seu currículo
não demonstram dificuldade de assumir que temos múltiplas culturas, mas não
questiona o lugar que a diversidade de culturas ocupa na escola. Mais do que
múltiplas, as culturas diferem entre si. E é possível que, em uma mesma escola,
localizada em uma região específica, que atenda uma determinada comunidade,
encontremos no interior da sala de aula alunos que portam diferentes culturas
locais, as quais se articulam com as do bairro e região. Eles apresentam
diferentes formas de ver e conceber o mundo, possuem valores diferenciados,
pertencem a diferentes grupos étnico-raciais, diferem-se em gênero, idade e
experiência de vida.
Vivemos no contexto das diferentes culturas, marcadas por singularidades
advindas dos processos históricos, políticos e também culturais por meio dos
quais são construídas. Vivemos, portanto, no contexto da diversidade cultural e
esta, sim, deve ser um elemento presente e indagador do currículo. A cultura
não deve ser vista como um tema e nem como disciplina, mas como um eixo que
orienta as experiências e práticas curriculares.
Podemos indagar como a diversidade é apresentada na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/96, entendida como a orientação legal
para a construção das diretrizes curriculares nacionais dela advindas. No seu
artigo 26, a LDB confere liberdade de organização aos sistemas de ensino, desde
que eles se orientem a partir de um eixo central por ela colocado: os
currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base comum nacional que
será complementada, em cada sistema de ensino e em cada escola, por uma parte
diversificada. Esta última, segundo a lei, é exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
Esse movimento de mudança sugere a
necessidade de aprofundar mais sobre a diversidade nos currículos. Reconhecer
não apenas a diversidade no seu aspecto regional e local, mas, sim, a sua
presença enquanto construção histórica, cultural e social que marca a
trajetória humana. Ainda estamos presos à divisão núcleo comum e parte
diversificada presente na lei 5692/71. O peso da rigidez dessa lei marcou
profundamente a organização e a estrutura das escolas. É dela que herdamos,
sobretudo, a forma fragmentada de como o conhecimento escolar e o currículo
ainda são tratados e a persistente associação entre educação escolar e preparo
para o mercado de trabalho.
Nessa perspectiva curricular, a diversidade está presente na parte diversificada,
a qual os educadores sabem que, hierarquicamente, por mais que possamos negar,
ocupa um lugar menor do que o núcleo comum. E é neste último que encontramos os
ditos conhecimentos historicamente acumulados recontextualizados como
conhecimento escolar. Nessa concepção, as características regionais e locais, a
cultura, os costumes, as artes, a corporeidade, a sexualidade são “partes que
diversificam o currículo” e não “núcleos”. Elas podem até mesmo trazer uma
certa diversificação, um novo brilho, mas não são consideradas como integrantes
do eixo central. O lugar não hegemônico ocupado pelas questões sociais,
culturais, regionais e políticas que compõem a “parte diversificada” dos
currículos pode ser visto, ao mesmo tempo, como vulnerabilidade e liberdade. É
nesta parte que, muitas vezes, os educadores e as educadoras conseguem ousar,
realizar trabalhos mais próximos da comunidade, explorar o potencial criativo,
artístico e estético dos alunos e alunas.
A incorporação da diversidade no currículo deve ser entendida não como
uma ilustração ou modismo, mas compreendida no campo político e tenso no qual
as diferenças são produzidas, portanto, deve ser vista como um direito. Um
direito garantido a todos e não somente àqueles que são considerados
diferentes. Conviver com a diferença (e com os diferentes) é construir relações
que se pautem no respeito, na igualdade social, na igualdade de oportunidades e
no exercício de uma prática e postura democráticas. Alguns aspectos específicos do
currículo indagados pela diversidade.
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