A luta política pelo direito à diversidade
Nem sempre a diversidade entendida como a construção
histórica, social e cultural das diferenças implica em um trato igualitário e
democrático em relação àqueles considerados diferentes. Muito do que fomos
educados a ver e distinguir como diferença é, na realidade, uma invenção humana
que, ao longo do processo cultural e histórico, foi tomando forma e
materialidade.
A inserção da diversidade nos currículos implica compreender as causas
políticas, econômicas e sociais de fenômenos como etnocentrismo, racismo,
sexismo, homofobia e xenofobia. Falar sobre diversidade e diferença implica
posicionar-se contra processos de colonização e dominação. É perceber como,
nesses contextos, algumas diferenças foram naturalizadas e inferiorizadas
sendo, portanto, tratadas de forma desigual e discriminatória. É entender o
impacto subjetivo destes processos na vida dos sujeitos sociais e no cotidiano
da escola. É incorporar no currículo, nos livros didáticos, no plano de aula,
nos projetos pedagógicos das escolas os saberes produzidos pelas diversas áreas
e ciências articulados com os saberes produzidos pelos movimentos sociais e
pela comunidade.
Há diversos conhecimentos produzidos pela humanidade que ainda estão ausentes
nos currículos e na formação dos professores, como, por exemplo, o conhecimento
produzido pela comunidade negra ao longo da luta pela superação do racismo, o
conhecimento produzido pelas mulheres no processo de luta pela igualdade de
gênero, o conhecimento produzido pela juventude na vivência da sua condição
juvenil, entre outros. É urgente incorporar esses conhecimentos que versam
sobre a produção histórica das diferenças e das desigualdades para superar
tratos escolares românticos sobre a diversidade.
Todos nós precisaremos passar por um processo de reeducação do olhar
sobre o “outro” e sobre nós mesmos a partir das diferenças superando o apelo romântico
ao diverso e ao diferente e construir políticas e práticas pedagógicas e
curriculares nas quais a diversidade é uma dimensão constitutiva do currículo,
do planejamento das ações, das relações estabelecidas na escola.
Somos desafiados a rever o ordenamento curricular e as práticas
pedagógicas, entendendo que estes não representam apenas uma determinada visão
de conhecimento que pode excluir o “outro” e suas diferenças, mas também e,
sobretudo, uma determinada visão dos alunos (Arroyo, 2006, p.54).
De acordo com Miguel Arroyo (2006, p.54) os educandos nunca foram
esquecidos nas propostas curriculares; a questão é com que tipo de olhar eles
foram e são vistos nas suas diversas identidades e diferenças? Será que ainda
continuamos discursando sobre a diversidade, mas agindo, planejando,
organizando o currículo como se os alunos fossem um bloco homogêneo e um corpo
abstrato? Como se convivêssemos com um protótipo único de aluno? Como se a
função da escola, do trabalho docente fosse conformar todos a esse protótipo
único?
Os educandos são os sujeitos centrais da ação educativa. E foram eles, articulados
ou não em movimentos sociais, que trouxeram a luta pelo direito à diversidade
como uma indagação ao campo do currículo. Esse é um movimento que vai além do
pedagógico. Estamos, portanto, em um campo político.
O papel dos movimentos sociais e culturais nas demandas em prol do
respeito à diversidade no currículo indagam a sociedade como um todo e,
enquanto sujeitos políticos, colocam em xeque a escola uniformizadora que tanto
imperou em nosso sistema de ensino. Questionam os currículos, imprimem mudanças
nos projetos pedagógicos, interferem na política educacional e na elaboração de
leis educacionais e diretrizes curriculares.
Para Valter Roberto Silvério, a demanda por reconhecimento é aquela a
partir da qual vários movimentos sociais que têm por fundamento uma identidade cultural
(negros, indígenas, homossexuais, entre outros) passam a reivindicar reconhecimento,
quer seja pela ausência deste ou por um reconhecimento considerado inadequado
de sua diferença.
Ainda segundo Silvério (2006), um dos aprendizados trazidos pelo debate
sobre o lugar da diversidade e da diferença cultural no Brasil contemporâneo é
que a sociedade brasileira passa por um processo de (re) configuração do pacto
social a partir da insurgência de atores sociais até então pouco visíveis na
cena pública. Esse contexto coloca um conjunto de problemas e desafios à
sociedade como um todo. No que diz respeito à educação, ou mais precisamente, à
política educacional, um dos aspectos significativos desse novo cenário é a
percepção de que a escola é um espaço de sociabilidade para onde convergem
diferentes experiências socioculturais, as quais refletem diversas e
divergentes formas de inserção grupal na história do país.
Podemos dizer que a sociedade brasileira, a partir da segunda metade do
século XX, começa a viver – não sem contradições e conflitos – um momento de
maior consolidação de algumas demandas dos movimentos sociais e da sua luta
pelo direito à diferença. É possível perceber alguns avanços na produção
teórica educacional, no Governo Federal, no Ministério da Educação, nas
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, nos projetos pedagógicos das
escolas, na literatura infanto-juvenil, na produção de material didático
alternativo e acessível em consonância às necessidades educacionais especiais
dos alunos.
Aos poucos, vêm crescendo os coletivos
de profissionais da educação sensíveis à diversidade. Muitos deles têm a sua
trajetória marcada pela inserção nos movimentos sociais, culturais e
identitários e carregam para a vida profissional suas identidades coletivas e
suas diferenças. Há uma nova sensibilidade nas escolas públicas, sobretudo,
para a diversidade e suas múltiplas dimensões na vida dos sujeitos.
Sensibilidade que vem se traduzindo em ações pedagógicas de transformação do
sistema educacional em um sistema inclusivo, democrático e aberto à
diversidade.
Mas será que essas ações são iniciativas apenas de grupos de educadores (as)
sensíveis diante da diversidade? Ou elas são assumidas como um dos eixos do
trabalho das escolas, das propostas políticas pedagógicas das Secretarias de
Educação e do MEC? Elas são legitimadas pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais? Fazem parte do currículo vivenciado nas escolas e das políticas
curriculares? A resposta a essas questões poderá nos ajudar a compreender o
lugar ocupado pela diversidade cultural na educação escolar.
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