Formação contínua e obrigatoriedade de competências na profissão de professor. Philippe Perrenoud
"Competência é a faculdade de
mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações
etc.) para solucionar uma série de situações", explica ele.
"Localizar-se numa cidade desconhecida, por exemplo, mobiliza as
capacidades de ler um mapa, pedir informações; mais os saberes de referências
geográficas e de escala."
Perrenoud - sociólogo
dedicado ao ensino e à pesquisa em educação - apresenta um referencial de
áreas de competências e discute a formação, a profissão, a avaliação e a
competência do professor. E defende, de maneira provocativa e inovadora, entre
outras idéias, a de que também os professores - e não somente os alunos - devem
ter sua atuação pautada por competências e serem avaliados com base nelas.
Parte I. Formação contínua e desenvolvimento de competências
profissionais
"... Orientar a formação contínua para as competências, portanto, é ampliar o campo de trabalho e dar às práticas reais mais espaço que aos modelos prescritivos e aos instrumentos."
"...o importante
seria não julgar o referencial como tal, mas entrar nele e confrontar as
representações de uns e outros, fazer o balanço dos ganhos que ele representa,
identificar os problemas que ele coloca e as próximas etapas que ele anuncia.
Isso representa um trabalho formador em si mesmo. É preciso, portanto, desejar
que o debate se inicie, que esse referencial seja progressivamente
"habitado" e, portanto, desenvolvido (...) e até (...) reformulado
com o passar do tempo."
II. A avaliação dos professores: entre uma impossível
obrigatoriedade de resultados e uma estéril obrigatoriedade de procedimentos
"Priorizando, no ensino, a obrigatoriedade de procedimentos, freia-se o processo de profissionalização. Isso seria justificado se ficasse assim garantida uma verdadeira eficácia do ensino. Mas tal não acontece. Uma estrita obrigatoriedade de procedimentos é, ao mesmo tempo, um obstáculo à profissionalização e uma negação da complexidade. Faz parte, além disso, de uma visão ultrapassada de ensino-aprendizagem."
"... não é mais
possível ensinar de forma estereotipada. Uma fração crescente das situações de
ensino-aprendizagem, ao contrário, ao menos se se quiser lutar contra o
fracasso e permitir que a maioria progrida, exige estratégias originais e sob
medida, partindo da análise do que foi adquirido, das necessidades, dos
recursos e das forças..."
"... caminhar para a
identificação das competências e sua regulação faz parte de um movimento em
direção a escolas eficazes, ao aparecimento de profissionais reflexivos e de
escolas autônomas, em suma, em direção a uma maior profissionalização na
Educação."
"As situações são
muito diversas, móveis e complexas para que seja possível ditar regras ou
propor procedimentos. É por isso que se delega a um profissional competente o
poder e a responsabilidade de saber, melhor que ninguém, o que convém
fazer, já que ele tem todos os elementos na mão, em tempo real."
III. A avaliação de competências: uma avaliação em busca de atores
"...o poder de avaliar é difícil de ser assumido na sociedade atual, porque ele obriga o avaliador a dizer a alguns avaliados coisas difíceis de ouvir. Enquanto a relação pedagógica construída na escola com crianças e adolescentes autoriza os professores a fazerem julgamentos muito duros, às vezes sem sutileza alguma, a avaliação se torna vergonhosa em certas partes do universo adulto, notadamente na função pública."
"Encontramo-nos, de
fato, numa situação de transição, onde o corpo docente reivindica uma autonomia
que na verdade não assume, na qual a autoridade não é mais legítima o
suficiente para encarnar a norma e mergulhar freqüentemente numa prova de
força, onde a profissionalização está avançada o bastante para
"deslegitimar" qualquer forma de controle externo, mas não o bastante
para que os profissionais façam eles mesmos seu controle."
IV.
Prestar contas, sim, mas como e a quem ?"Não se imagina um médico justificar um erro profissional em nome de uma concepção pessoal de saúde. Certamente, existe uma margem de apreciação pessoal em relação a tratamentos (...) mas que não é comparável à latitude que se considera na pedagogia. (...) Isso não aconteceria tão facilmente em setores cuja profissionalização esteja mais avançada, nos quais os profissionais não se sentiriam livres para dizer a respeito de qualquer questão: 'esta é a minha opinião e eu a divido com vocês.' "
Competências de referência
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Competências mais específicas a serem trabalhadas em formação contínua
(exemplos)
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1. Organizar e animar (dirigir)situações de aprendizagem
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· Conhecer, em
uma determinada disciplina, os conteúdos a ensinar e sua tradução em
objetivos de aprendizagem.
· Trabalhar a
partir das representações dos alunos.
· Trabalhar a partir
dos erros e obstáculos à aprendizagem.
· Construir e
planejar dispositivos e seqüências didáticas.
· Comprometer os
alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.
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2. Gerir a progressão das aprendizagens
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· Conceber e
gerir situações-problema ajustadas aos níveis e possibilidades dos alunos.
· Adquirir uma
visão longitudinal dos objetivos do ensino primário.
· Estabelecer laços com teorias subjacentes às atividades de aprendizagem.
· Observar e
avaliar os alunos em situações de aprendizagem, segundo uma abordagem
formativa.
· Estabelecer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão. |
3. Conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação
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· Gerir a
heterogeneidade dentro de uma classe.
· Ampliar a gestão da classe para um espaço mais vasto. · Praticar o apoio integrado, trabalhar com alunos em grande dificuldade.
· Desenvolver a
cooperação entre alunos e certas formas simples de ensino mútuo.
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4. Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho
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· Suscitar o desejo
de aprender, explicitar a relação com os conhecimentos, o sentido do trabalho
escolar e desenvolver a capacidade de auto-avaliação na criança.
· Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou da escola) e negociar com os alunos diversos tipos de regras e contratos. · Oferecer atividades de formação opcionais, à Ia carte. · Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno. |
5. Trabalhar em equipe
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· Elaborar um
projeto de equipe, representações comuns.
· Animar um grupo de trabalho, conduzir reuniões. · Formar e renovar uma equipe pedagógica. · Confrontar e analisar juntos situações complexas, práticas e problemas profissionais.
· Administrar
crises ou conflitos entre pessoas.
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6. Participar da gestão da escola
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· Elaborar,
negociar um projeto da escola.
· Gerir os
recursos da escola.
· Coordenar,
animar uma escola com todos os parceiros (paraescolares, bairro, associações
de pais, professores de língua e cultura de origem).
· Organizar e
fazer evoluir, dentro da escola, a participação dos alunos.
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7. Informar e envolver os pais
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· Animar reuniões
de informação e de debate.
· Conduzir entrevistas.
· Implicar os
pais na valorização da construção dos conhecimentos.
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8. Utilizar tecnologias novas
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· Utilizar
softwares de edição de documentos.
· Explorar as potencialidades didáticas do softwares em relação aos objetivos das áreas de ensino.
· Promover a
comunicação a distância através da telemática.
· Utilizar instrumentos multimídia no ensino. |
9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão
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· Prevenir a
violência na escola e na cidade.
· Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais.
· Participar da
implantação de regras da vida comum envolvendo a disciplina na escola, as
sanções e a apreciação de condutas.
· Analisar a
relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em classe.
· Desenvolver o
sentido de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.
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10. Administrar sua própria formação contínua
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· Saber
explicitar as próprias práticas.
· Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua.
· Negociar um
projeto de formação comum com colegas (equipe, escola, rede).
· Envolver-se nas
tarefas na escala de um tipo de ensino ou do DIP.
· Acolher e
participar da formação dos colegas.
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Publicação: Série Idéias n. 30. São Paulo:
FDE, 1998.
Páginas: 205-251
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