Carta aberta aos pais, professores e gestores de escolas


Carta aberta aos pais, professores e gestores de escolas
Augusto Cury
                Estamos assistindo em todas as nações modernas o assassinato coletivo da infância das crianças e da juventude dos adolescentes. Nós os temos atolados de atividades, jogos esportivos, cursos de línguas, computação, internet, videogames, celulares e horas a fio de televisão. É uma geração que não têm tempo para brincar, se aventurar, se interiorizar, se reinventar, lidar com perdas e elaborar experiências. Uma geração sem infância e juventude é uma geração que perde a oportunidade de formar as plataformas de janelas ou arquivos fundamentais no cérebro para o desenvolvimento de uma mente livre e uma emoção saudável.
            Sem uma rica infância, o Eu, que representa a consciência crítica e a capacidade de autonomia e de escolha, não se torna autor da própria história. O que leva a personalidade ter mais facilidade de ser fóbica, ansiosa, intolerante, tímida, insegura, conformista, consumista, superficial, especialista em reclamar de tudo e de todos.
            Em conferências para plateias de magistrados, médicos, psicólogos, professores, CEOs de empresas, tenho falado que embora todos detestemos o trabalho escravo, submetemos nossos filhos e alunos a um trabalho intelectual escravo ao saturá-los de atividades. Como já disse no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional: nunca nas sociedades democráticas, houve tantos escravos no único lugar que é inadmissível ser um presidiário, no território da emoção.
            Tenho discorrido com pais e diretores de instituições educacionais, que as escolas em todo mundo, do ocidente ao oriente, enfocam as funções cognitivas, como a memória, raciocínio, habilidades técnicas, mas pouquíssimos enfatizam a inteligência socioemocional, enfim, as importantíssimas funções não cognitivas, como proteger a emoção, gerir os pensamentos, resiliência, pensar antes de reagir, colocar-se no lugar do outro, trabalhar perdas e frustrações, pro atividade, capacidade de se reinventar, libertar a criatividade, construir relações saudáveis.
            Elas são mais complexas do que ensinar simples valores, como honestidade e respeitabilidade. Valores qualquer escola deveria ensinar.  As funções não cognitivas que descrevo são vitais para determinar o sucesso emocional, profissional e afetivo, dos nossos filhos. São fundamentais para o futuro de uma nação e para o futuro da espécie humana. Mas onde estão as escolas que ensinam seus alunos a proteger sua emoção e a gerenciar a ansiedade? Onde estão às escolas que os ensinam a filtrar estímulos estressantes e a trabalhar perdas e frustrações, que eles vivenciam diariamente fora e dentro das dependências da própria escola? Essa é uma das minhas críticas à educação mundial em mais de setenta países em que sou publicado.
            Abarrotamos o córtex cerebral dos nossos filhos e alunos com milhões de informações de matemática, química, biologia e outras matérias, para que eles conheçam o mundo exterior. O que é importante. Mas não os ensinamos a compreender quase nada sobre as camadas íntimas do seu mundo psíquico, como proponho neste livro: “A Turma da Floresta Viva”, quando assumo a pele do psiquiatra Marco Polo. Jovens e crianças de todas as nações compram os estímulos estressantes que não lhes pertencem. Sua emoção é terra de ninguém. Desconhecem as chaves do autocontrole. Não sabem fazer a técnica do D.C.D. para desconstruir as falsas crenças que podem amordaçá-los a vida toda.
            Ensinamos uma ou mais línguas para nossos filhos e alunos. Algo muito bom! Mas não os ensinamos minimamente as bases do auto diálogo inteligente, para domesticarem seus fantasmas mentais, como seus medos, raiva, ciúmes, impulsividade, timidez, humor depressivo. As crianças e adolescentes aprendem a fazer a higiene bucal a cada quatro a seis horas, mas nunca ouviram falar sobre a necessidade de se fazer a higiene mental. Que tipo de educação é essa? Uma educação que prepara nossos filhos para serem livres ou para desenvolverem adoecimento psíquico?
            Faça um teste na sua classe com seus alunos ou na sala de casa com seus filhos: pergunte se eles acordam cansados, têm dores de cabeça, dores musculares, sofrimento por antecipação, dificuldade de sono, impaciência, mente agitada, déficit de memória. Você irá às lágrimas ao fazê-lo. Muitas escolas caríssimas preferem nem tocar no assunto, pois preferem a maquiagem do que a realidade. A grande maioria das crianças e jovens estão com vários desses sintomas, o que demonstra que estão desenvolvendo uma síndrome que descobri, a Síndrome do Pensamento Acelerado (Veja o livro Ansiedade – como Enfrentar o Mal do Século).
            Há várias causas para essa síndrome coletiva. Entre elas, o excesso de atividades, uso intenso de celulares e games e excesso de informações. Uma criança de hoje tem mais informações que um imperador romano tinha no auge de Roma. Um pré-adolescente de dez anos tem mais dados em sua memória do que provavelmente Sócrates, Platão, Aristóteles, Parmênides e tantos outros pensadores da Grécia antiga. Não é suportável para a mente humana e nem sustentável para desenvolver uma mente livre e uma emoção saudável esse esgotamento cerebral. Reitero, esse fenômeno representa um trabalho intelectual escravo.
            Ao longo de mais de trinta anos, desenvolvo conhecimento sobre o processo de formação do Eu como gestor psíquico, os papeis da memória, a proteção da emoção e a formação de pensadores. Essa produção, associada à minha atividade como psiquiatra e psicoterapeuta, realizando mais de 20 mil sessões, deixou-me convicto de que, sem desenvolver as funções da inteligência socioemocional, os alunos, inclusive os que têm as melhores notas, podem adoecer ou, no mínimo, contrair suas habilidades.
            Como digo nos livros “Pais Brilhantes, Professores Fascinantes” e “Pais Inteligentes Formam sucessores, Não herdeiros”, quanto pior a qualidade da educação, mais importante será o papel da psiquiatria e psicologia clínicas. Como disse também há alguns dias para um grupo de presidentes das principais empresas do país: “nossos filhos estão adoecendo debaixo das nossas mãos. Pais que agem apenas como manuais de regras de comportamentos, enfim, que desprezam as funções não cognitivas, estão aptos para consertar máquinas, mas não para formar mentes brilhantes e saudáveis”. Eles pagam as escolas mais caras para seus filhos, mas não sabem porquê eles estão ansiosos, deprimidos, irritadiços, insatisfeitos, precisam de muitos produtos para sentir migalhas de prazer.
            Nessa conferência para líderes empresariais, muitos deles, inclusive da França e da Alemanha, vieram-me dizer que estão perdendo seus filhos, que não sabem mais o que fazer. Mas, antes disso, depois que se abriu o espaço para o debate, uma jornalista do grupo Globo disse que descobriu que desenvolvi um programa, chamado de Escola da Inteligência, que ensina as funções não cognitivas nas escolas. De fato, há 200 mil alunos tendo esse privilégio e muitos países querendo importá-lo. Ela entusiasmou-se tanto que enviou mensagens para todas as suas amigas para que procurem as escolas que têm o programa Escola da Inteligência para matricular seus filhos.
            O programa Escola da Inteligência entra na grade curricular com uma aula por semana, portanto, não altera o currículo da escola. Os alunos não veem a hora de chegar a aula da Escola da Inteligência, pois eles a amam mais do que a outras disciplinas. Quando você melhora a autoestima e fortalece o Eu como gestor da mente humana, enfim, as funções não cognitivas, até as cognitivas melhoram, inclusive o aprendizado de matemática. Diminui a violência, o bullying, expande a solidariedade, o altruísmo, a segurança, a autonomia. Ficamos comovidos ao ver os resultados. Crianças de sete anos dizem para seus pais “papai, você perdeu o autocontrole”, algumas de oito dizem “mamãe, você está reagindo sem pensar”.
            Somos um dos institutos que mais contratam psicólogos e pedagogos no país. Preocupado com os professores e pais, o programa também contempla cursos para eles. E renunciei aos direitos autorais do Programa E.I., para que ele seja acessível e possamos usar os recursos para adotarmos instituições de jovens em situações de risco, em destaque orfanatos por todo o país, para dar o mesmo Programa gratuitamente a eles.
            Além do Programa Escola da Inteligência ministrado dentro das escolas conveniadas de ensino fundamental e médio, temos também as Escolas Menthes, onde os alunos que cursam ou não o Programa Escola da Inteligência têm a oportunidade de fazer aulas de educação emocional (coaching de gestão da emoção). Os cursos da Escola Menthes foram desenvolvidos por mim e por um grupo de psicólogos e pedagogos da minha equipe. A escola Menthes talvez seja uma das primeiras escolas de educação emocional e qualidade de vida do mundo. A grande notícia é que a Escola Menthes não apenas tem Coaching Emocional kids e Teens, mas também para adultos (Coaching de Qualidade de Vida, Relacionamentos e Excelência Emocional e Profissional).
            Coaching para crianças? Sim! O coaching emocional que propomos não é para que essas crianças queimem etapas e se tornem adultos mais cedo, ao contrário, queremos treiná-las e educá-las para que expandam o desempenho das habilidades socioemocionais próprias da sua idade. Elas poderão, sem dúvida, ter mais chances de serem profissionais melhores no futuro, mas objetivamos enriquecer sua infância e juventude para libertarem seu imaginário, se reinventarem, protegerem sua emoção, gerenciarem a ansiedade, contemplarem o belo, superarem o conformismo, o vício digital, reciclarem suas crenças limitantes, tornarem-se mais ousados, proativos, tolerantes e generosos.
            Na escola Menthes, as crianças e adolescentes são treinadas por psicólogos capacitados, uma ou duas vezes por semana, que utilizam um rico material. Pesquisas demostram que 70% a 80% dos jovens estão apresentando sintomas de timidez e insegurança; 80% dos executivos são despedidos por falta das habilidades não cognitivas, como flexibilidade, empatia e carisma; e 50% das pessoas, uma em cada duas, desenvolverá um transtorno psiquiátrico, de acordo com pesquisas internacionais. Um número assombroso, estamos falando em mais de três bilhões de pessoas. Vamos deixar nossos filhos descobertos, sem treinamento emocional? O que adianta darmos o trivial se nos esquecemos do essencial?
            Lembre-se da história da Turma da Floresta Viva e das palavras do professor Corujão quando a floresta pegou fogo e os animais zombaram dele quando ele trazia uma gota de água em seu bico: eu não posso fazer muito, mas pelo menos posso fazer a minha parte. Nós, da Escola da Inteligência e Escola Menthes, queremos fazer apenas a nossa parte, ainda que diminuta, para ter uma sociedade mais saudável, inteligente e altruísta. Bem vindos à educação do século XXI, XXII… Bem vindos à educação que contempla a inteligência socioemocional.

(GRIFO NOSSO – este texto apresenta uma proposta de programa do autor,  mas dele pode ser retirado o conhecimento sobre  o fenômeno da Síndrome do Pensamento Acelerado -  SPA,  que hoje atinge crianças, adultos e jovens. Através do conhecimento sobre o SPA  poderemos criar ações e medidas para implementar novas práticas no contexto escolar e suporte para conversar com pais e  responsáveis sobre a saúde emocional de seus filhos.)


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