O forte, de Adonias Filho
Em O forte, de
Adonias Filho, publicado pela primeira vez em 1965, interessa ao romancista não
registrar particularismos locais, mas fixar o drama existencial de suas
personagens. Estas são quase sempre seres rudes, primários, guiados pela força
cega do instinto e em luta desesperançada contra a fatalidade. A narrativa se
faz numa linguagem elíptica, de intensidade poética numa atmosfera constante de
pesadelo, de violência sangrenta, que chega por vezes às raias do absurdo.
Recorda Dostoievski e Faulkner, autores em cuja linhagem ficcional a crítica
tem enquadrado Adonias Filho.
O romance é dividido
em 3 partes e relata que Michel era um violinista que vivia da noite na Bahia.
Cabelos loiros, olhos azuis, descendência européia, boêmio. Damiana era negra,
pianista. Encantava a Bahia com sua música. Michel e Damiana passam a viver uma
vida em comum. Deste
relacionamento nasce Tibiti. As bebedeiras, as amantes, os maus tratos fazem
Damiana abandonar Michel. Volta para casa do pai, Olegário. Michel quer a
guarda de Tibiti. Olegário tenta acalmá-lo e entendê-lo. Um dia, Michel invade
a casa do pai de Damiana e a agride violentamente. Olegário, tomado de forte
raiva, mato-o ali mesmo, enforcando-o e batendo a cabeça da vítima no assoalho.
Preso, Olegário passa a viver num forte que, no passado, protegeu a Bahia.
Julgado e condenado, incorporou-se ao
forte, passou a ser parte dele, a senti-lo como algo além do material.
“'Eu estou dizendo. A cama de madeira,
a esteira por cima, era um homem acordado. As pálpebras cansadas, o coração
batendo, a luz nas grades de ferro. Podia lembrar-me de Damiana, a neta
crescendo, os coqueiros. A minha casa, o piano, a sopa de peixe. Podia rever o
promotor, seus lábios crispados, o punho de um espancador. O discurso, aos
gritos, frente ao assombro de todos: 'Matou com as mãos, estrangulando, este
assassino!' Os jurados, aqueles rostos, eu pensava no Cristo. Vontade de
erguer-me, e mostrar as mãos, um Cristo negro. Tudo, o passado inteiro,
adormecido dentro de mim. E o que vinha, Jairo, era como sol e dia para o meu
cérebro vazio. Mais e muito mais que a música de Damiana no piano.(..)”
Pelo trecho, não é
difícil perceber que O forte é ficção intimista. Adonias Filho é escritor de
invulgar penetração psicológica. Escava os conflitos do homem em sociedade,
revelando uma gama de sentimentos que a vida moderna suscita no âmago da
pessoa. “É o fluxo psíquico trabalhado em termo de pesquisa no universo da
linguagem” (Alfredo Bosi). São dessa linha Autran Dourado, Lygia Fagundes
Teles, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Ricardo Ramos, Carlos Heitor Cony,
Osman Lins, Clarice Lispector, só para citar os mais famosos.
Olegário era quase que o próprio forte. Das batalhas históricas do passado ao aprisionamento e castigo de negros, o forte se impõe e invade o ser do pai de Damiana. Mas a saída de Olegário estavaem ver Tibiti feliz.
Tirara-lhe o pai. Queria o melhor para ela. Na primeira parte do livro, Jairo
aparece como seu principal interlocutor e é este que terá o destino determinado
na vida de Tibiti. Jairo é um engenheiro. Ainda solteiro, mantém contacto com
Olegário. O negro imagina Tibiti casada com ele. Olegário chega a dizer que ela
esperasse que Jairo viria.
Mas Damiana morre e Tibiti se casa com Mário. Ele apareceu quando a filha de Damiana encantava os cabarés e bares noturnos. Deste casamento nascem dois filhos: Cristina e Lauro. Jairo também se casa. Sua esposa é Ana Teresa. Seus filhos: Maria, Sílvia, Marcondes e Júlio. Depois de sete anos de condenação, Olegário passa a ser parte do forte, mas morre. Tibiti está só. Sua família parecia não completá-la. Uma empresa é contratada para demolir o forte e Jairo é o encarregado da demolição. Seu destino estava traçado. Olegário sabia que Jairo destruiria o forte.
Olegário era quase que o próprio forte. Das batalhas históricas do passado ao aprisionamento e castigo de negros, o forte se impõe e invade o ser do pai de Damiana. Mas a saída de Olegário estava
Mas Damiana morre e Tibiti se casa com Mário. Ele apareceu quando a filha de Damiana encantava os cabarés e bares noturnos. Deste casamento nascem dois filhos: Cristina e Lauro. Jairo também se casa. Sua esposa é Ana Teresa. Seus filhos: Maria, Sílvia, Marcondes e Júlio. Depois de sete anos de condenação, Olegário passa a ser parte do forte, mas morre. Tibiti está só. Sua família parecia não completá-la. Uma empresa é contratada para demolir o forte e Jairo é o encarregado da demolição. Seu destino estava traçado. Olegário sabia que Jairo destruiria o forte.
“A voz em rodeio, o Forte tem ouvidos,
os fantasmas escutam. Os mortais não o vêem, ocultos nos espaços -as torres, as
galerias, os poços -, habitantes das sombras. Ali estão acima do tempo
-empestados, guerreiros, escravos -, sem ódios e sofrimentos, espreitando com a
curiosidade dos vivos. Estão vendo a velhice do Forte, crestado o barro da
parede, como uma pele curtida. Desmancha-se a poeira na própria poeira. Parte
dessa velhice, também eles, inquietos na solidão e no silêncio. Ouviram os
passos, os passos de Tibiti e Jairo, e se moveram. Arredaram-se dos seus
cantos, aproximaram-se apressados, estão vendo. Jairo tem as mãos na cabeça de
Tibiti, as bocas se encontram, o sol não recua. É o momento da pergunta, vem
quando a cabeça se afasta, o Forte atento.
-E sua mulher, Jairo, e seus filhos?
-E sua mulher, Jairo, e seus filhos?
Os fantasmas
respiram, o sol sente a respiração, o sangue se precipita nas veias. Jairo se
imobiliza, Tibiti é o rosto, o Forte atento. O cérebro pesa carregado de
imagens. Vê a casa, a mulher servindo o jantar, os filhos sentados. As três
meninas -Maria, Sílvia, Mercedes -e o menino, Júlio, o mais velho. É o pai, a
mulher rezando, gritos de crianças nas salas. Flores nos vasos, cortinas nas
janelas, o aquário de Sílvia. O assoalho limpo, os pratos na mesa, os tapetes.
Ela vem, sua mulher, os cabelos louros e os braços longos. A escrava que o
adora, incapaz de zangar-se, sem vontade quando ele fala. Vem, sua mulher, para
dizer: "Você, Jairo, está diferente". A resposta: 'Nada, Ana Teresa,
apenas muito trabalho'. E a filha, Mercedes, a pedir beijos, exclamando:
'Papai, meu papaizinho!' Respiram os fantasmas, o Forte atento, o incêndio no
cérebro. “
Tibiti é encontrada
por Jairo. Estão apaixonados. Seus compromissos não impedem o aprofundamento de
um relacionamento amoroso. Ambos largam suas famílias e vão viver juntos. Mas
ele tem que destruir o forte. Tibiti não deveria assistir à demolição e é
enviada para Alagoinhas. O forte vai ao chão. Jairo vai buscar Tibiti e
mostra-lhe o terreno sem o forte, local que dará vida a um bosque e que servirá
de espaço para as brincadeiras do menino que se forma em seu ventre.
“Andar, é bom andar, não há portas fechadas. Quando tristes, nas soleiras das igrejas, os mendigos cantam. Tibiti ao lado de Jairo, as mãos unidas, com eles o menino. Avançam, qualquer caminho serve, a multidão. Todos passam, homens e mulheres, os ombros se tocam. Os passeios transbordam, é uma inundação, movimenta-se o povo da Bahia. Assim andam, os passos lentos, até que Tibiti se detém. Voltam-se, um para o outro, não se perderam. A multidão em torno, o barulho dos pés e das vozes, cachoeira naquele rio. Ele, ela e o menino, a ilha.
Todos passam, apressados, vão e voltam, reencontram-se. Eles parados, Tibiti e Jairo, também o menino. Muitos entre os que andam, devem pensar no Forte. Devem ter visto Olegário, no Terreiro de Jesus, ouvindo os cantadores. Leram os jornais, o crime, assassinou com as próprias mãos. Tibiti, aplausos, uma cantora. O Forte aos pedaços, as pedras no ar, o chão queimado. Águas em torno da ilha, passando sempre, as cabeças e os pés. O céu, apesar de limpo, não reflete o que está embaixo. Recomeçam e, quando novamente andam, a ilha se desfaz. Na multidão agora, levados pelo rio, esperam uma enseada.
“Andar, é bom andar, não há portas fechadas. Quando tristes, nas soleiras das igrejas, os mendigos cantam. Tibiti ao lado de Jairo, as mãos unidas, com eles o menino. Avançam, qualquer caminho serve, a multidão. Todos passam, homens e mulheres, os ombros se tocam. Os passeios transbordam, é uma inundação, movimenta-se o povo da Bahia. Assim andam, os passos lentos, até que Tibiti se detém. Voltam-se, um para o outro, não se perderam. A multidão em torno, o barulho dos pés e das vozes, cachoeira naquele rio. Ele, ela e o menino, a ilha.
Todos passam, apressados, vão e voltam, reencontram-se. Eles parados, Tibiti e Jairo, também o menino. Muitos entre os que andam, devem pensar no Forte. Devem ter visto Olegário, no Terreiro de Jesus, ouvindo os cantadores. Leram os jornais, o crime, assassinou com as próprias mãos. Tibiti, aplausos, uma cantora. O Forte aos pedaços, as pedras no ar, o chão queimado. Águas em torno da ilha, passando sempre, as cabeças e os pés. O céu, apesar de limpo, não reflete o que está embaixo. Recomeçam e, quando novamente andam, a ilha se desfaz. Na multidão agora, levados pelo rio, esperam uma enseada.
Chega, a enseada,
abrindo-se como o pátio do Forte. A praça larga, o chafariz, as árvores
tranquilas. O sol desce para queimar, Jairo e Tibiti pisam as próprias sombras,
é meio-dia. As pernas sem meias, os dedos sem anéis, o rosto sem pintura.
Ninguém vê quando ela toma a mão de Jairo, beijando, e fecha os dedos para que
ele guarde o beijo. Pede, muito séria, a face na sala do Forte:
- Comeremos frutas, Jairo, beberemos vinho.”
- Comeremos frutas, Jairo, beberemos vinho.”
O forte é, portanto,
um romance feito de sombra e indefinição. É narrativa de atmosfera. Há o uso
intensivo do monólogo, armação de uma trama em que as personagens ficam
suspensas nas mãos de um poder supra psicológico (o destino, a graça, por
exemplo), revelando nítidas influências do Expressionismo e do Surrealismo,
para tentar ultrapassar o realismo convencional.
Landisvalth Lima
Enviado por Landisvalth Lima em
15/10/2009
Código do texto: T1868494
Código do texto: T1868494
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